quinta-feira, 21 de julho de 2011

Entrevista com o juiz Flávio Henrique Albuquerque de Freitas


Juiz vai às salas de aula de escolas de Guajará para mostrar aos  jovens o que é o Poder Judiciário 

Fonte: ACRITICA.COM


No ano de 2007, o juiz Flávio Henrique Albuquerque de Freitas, 31, decidiu sair da construção onde funcionava a Comarca e ir às escolas ouvir estudantes e comunitários de São Paulo de Olivença (a 988 Km de Manaus), na região do Alto Solimões.
Nada de audiências ou reuniões formais e sim muita conversa aberta a respeito de um poder ainda distante de uma expressiva parcela dos brasileiros, que insiste em manter linguagem inacessível e guetos. A aproximação deu certo e a rotina do juiz mudou completamente. Ele descobriu o quanto havia gente interessada em saber o que, para que serve e como funciona o Poder Judiciário e até mesmo ver, de pertinho, um juiz.
Em maio do ano passado, Flávio foi designado para comandar a Comarca de Guajará (Município a 1.479 Km da capital amazonense) levou na bagagem a ação desenvolvida em São Paulo de Olivença. Um ano e dois meses depois de ter chegado à cidade, o juiz tornou-se uma espécie de professor voluntário nas escolas estaduais. A disciplina ensinada? Conversas sobre a Justiça e audiências reais.
E isso é enfadonho? “Não”, afirma o magistrado que define os encontros com os estudantes como “momentos maravilhosos”. As razões motivadoras desse trabalho podem ser resumidas num ponto de vista repetido por Flávio: “magistrado é um servidor público como qualquer outro e deve ser próximo da sociedade na qual vive e julga. Esse é um aprendizado diário feito com a comunidade”. A seguir trechos da entrevista concedida, eletronicamente, por Flávio ao jornal A CRÍTICA.
O que motivou o senhor a ir às escolas?
Primeiro, entendo ser importante a sociedade saber que o magistrado não é um ser inacessível. Ele é um servidor público como qualquer outro, detentor, todavia, de algumas garantias relativas à sua função. Mas, o magistrado deve ser próximo, não distante da sociedade na qual vive e julga. Não se pode julgar o que se desconhece. E o conhecimento não é só o da lei. Esse se aprende na faculdade.
O conhecimento da vida social é o aprendizado diário com a comunidade. Esse trabalho tem o respaldo do desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, o qual é o responsável pelo cumprimento da Meta 4 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa meta tem por finalidade o esclarecimento das funções da Justiça para a sociedade.
Quantas escolas já foram envolvidas nessa ação?
Guajará é desprovido de posses materiais, ou seja, é pobre. Assim, não há escolas particulares. Todas são públicas e é nelas que focamos nossa atuação. O trabalho de aproximação foi iniciado nas escolas estaduais. Num segundo momento, com a ajuda de uma assistente social, vamos trabalhar com os alunos das escolas municipais.
Quais são as perguntas mais frequentes feitas pelos estudantes?
Os encontros são momentos maravilhosos, não só por parte dos alunos, mas dos próprios professores. Eles relatam que nunca imaginaram um juiz integrando a equipe da escola. Todavia, faço questão de deixar claro que não é o juiz, mas sim a Justiça. Quanto às perguntas, são várias. Estou catalogando todas elas. Antes de ir à escola envio um questionário prévio que os alunos respondem e, a partir dele, são selecionados os assuntos a serem abordados em sala de aula.
Pode citar uma dessas questões?
Posso relatar uma pergunta feita por um aluno do 9º ano de uma das escolas estaduais do nosso município (Guajará).
Foi um questionamento com uma carga filosófica sem precedente, principalmente por vir de um garoto de 11 anos. Estávamos discutindo sobre as formas de julgamento. Dai, iniciou-se um assunto sobre julgar, papel de Deus e erro de julgamento.
Pois bem, depois de tudo, o aluno me fez a seguinte perguntar: ‘Dr. o senhor não tem mede de errar num julgamento, condenando um inocente e, por isso ser castigado por Deus, e ir para o inferno?’ Veja que pergunta com uma carga filosófica incomensurável. Foi preciso clarificar para os garotos a diferença entre o papel de Deus e o do juiz (mas, isso é difícil, dependendo da visão ideológica de cada um).
Quais são os eixos principais do seu trabalho nas escolas?
Tem duas vertentes. A primeira delas são as palestras (ou grandes diálogos) ministradas nas salas de aulas, onde tratamos de assuntos ligados à vida geral dos alunos, bem como esclarecemos o papel da Justiça; a segunda, são as audiências dos processos que também são realizadas nas salas de aulas, momento em que os alunos podem ver juiz, promotor e advogado exercendo uma de suas funções típicas.
O senhor vai levar a experiência para as escolas do interior do município?
O deslocamento para o interior era feito com bastante frequência na Comarca de São Paulo de Olivença. Em Guajará, até a presente data, não tivemos a oportunidade de promover o deslocamento da Justiça à zona rural do Município.
Mas, assim que for viável, será feito com certo planejamento, em face da dificuldade logística de deslocamento, por falta de estradas e de meios de transporte. Nosso desejo é levar cada vez mais a Justiça às salas de aulas para  aproximar os alunos do Judiciário e quebrar a visão de distanciamento da Justiça com a sociedade.

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